05 abril, 2017

HAITI

HAITI
(Gilberto Gil/Caetano Veloso, 1968)

Do lado de fora do Estádio do Pacaembu. São Paulo, SP. 1941

Quando você for convidado pra subir no adro
da Fundação Casa de Jorge Amado
pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
dando porrada na nuca de malandros pretos
de ladrões mulatos e outros quase brancos
tratados como pretos
só pra mostrar aos outros quase pretos
(que são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
e quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
e não importa se os olhos do mundo inteiro
possam estar por um momento voltados para o largo
onde os escravos eram castigados
e hoje um batuque, um batuque
com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
em dia de parada
e a grandeza épica de um povo em formação
nos atrai, nos deslumbra e estimula
não importa nada:
Nem o traço do sobrado
nem a lente do Fantástico,
nem o disco de Paul Simon
ninguém, ninguém é cidadão
se você for a festa do Pelô, e se você não for
pense no Haiti, reze pelo Haiti
o Haiti é aqui,
o Haiti não é aqui
e na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
plano de educação que pareça fácil
que pareça fácil e rápido
e vá representar uma ameaça de democratização
do ensino do primeiro grau
e se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
e o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
e nenhum no marginal
e se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
brilhante de lixo do Leblon
e ao ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
ou quase pretos, ou quase brancos, quase pretos de tão pobres
e pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
e quando você for dar uma volta no Caribe
e quando for trepar sem camisinha
e apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
pense no Haiti, reze pelo Haiti
o Haiti é aqui
o Haiti não é aqui.


HAITÍ
(Traducción Montserrat Arre Marfull)

Cuando seas invitado a subir al atrio
de la Fundación Casa de Jorge Amado
para ver desde lo alto la fila de soldados, casi todos negros
apaleando las nucas de maleantes negros
de ladrones mulatos y otros casi blancos
tratados como negros
sólo para mostrar a los otros casi negros
(que son casi todos negros)
Cómo es que negros, pobres y mulatos
y casi blancos casi negros de tan pobres son tratados
y no importa si los ojos del mundo entero
puedan estar por un momento vueltos para la explanada
donde los esclavos eran castigados
y hoy los tambores, los tambores
con la pureza de niños uniformados de escuela secundaria
en día de parada
y la grandeza épica de un pueblo en formación
nos atrae, nos deslumbra y estimula
no importa nada:
Ni el trazo del piso
ni la lente de lo Fantástico
ni el disco de Paul Simon
nadie, nadie es ciudadano
si fueras a la fiesta de Pelô, y si no fueras
piensa en Haití, reza por Haití
Haití es aquí,
Haití no es aquí
y en la TV si vieras un diputado en pánico mal disimulado
delante de cualquier, pero cualquier, cualquier, cualquier
plan de educación que parezca fácil
que parezca fácil y rápido
y fuera a representar una amenaza de democratización
de la enseñanza de primer grado
y si ese mismo diputado defendiera la adopción de la pena capital
y el venerable cardenal que ve tanto espíritu en el feto
y ninguno en el marginal
y si, al clavar la señal, la vieja señal roja habitual
notas un hombre meando en la esquina de la calle sobre un saco
brillante de basura de Leblon
y al oír el silencio sonriente de São Paulo
delante de la matanza
111 presos indefensos, pero presos son casi todos negros
o casi negros, o casi blancos, casi negros de tan pobres
y pobres son como podridos y todos saben cómo se tratan los negros
y cuando vayas a dar una vuelta al Caribe
y cuando vayas a follar sin condón
y presentar tu participación inteligente en el bloqueo a Cuba
piensa en Haití, reza por Haití
Haití es aquí
Haití no es aquí. 

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